As conseqüências da Guerra do Paraguai foram terríveis para os negros. Os mais fortes, em uma seleção que os tirou do eito para a guerra, morreram lutando. Os negros mortos somaram entre 60 a 100 mil - há estimativas que informam até 140 mil. Isso na frente de batalha, no Paraguai. Esses números nunca aparecem nas estatísticas oficiais. Cotejando-se porém estimativas de militares brasileiros - Caxias inclusive - à margem da historiografia oficial, dos observadores estrangeiros, dos próprios aliados argentinos, chega-se com relativa segurança em torno de 90 mil negros na Guerra do Paraguai. Na guerra em si, porque outros milhares morreram de cólera durante a fase de treinamento, de disenteria, de maus-tratos nos transportes. Enquanto durou a guerra, desorganizando o tráfico interno, o trabalho nos cafezais e nas lavouras em geral mais que dobrou e as condições de vida dos negros pioraram bastante. Por isso, outros milhares de negros morreram no Brasil. Não há estatísticas seguras, porque raramente se expedia atestados de óbitos do negro, registravam-se poucas mortes, apenas para atendimento de parcas exigências legais. Escapou porém ao controle da ideologia das classes dominantes os simples censos e estatísticas demográficas depois da guerra, que marcaram sensivelmente o decréscimo de número de negros - escravos e livres - na população. Dessa forma, Perdigão Malheiro oferece a seguinte evolução da população brasileira.
Antes da guerra, os negros eram 31,2% da população; depois, essa
proporção cai pela metade. Cai não só proporcionalmente
como em números absolutos, de 2,5 milhões para 1,5 milhão,
representando uma queda de 40% no global da população negra. "Desapareceu"
1 milhão de negros. Naturalmente, eles não foram todos mortos
na Guerra do Paraguai - o número de alforrias aumentou, os mulatos especialmente
conseguiram emancipar-se aproveitando o espaço de ascensão social
permitido pelo branqueamento. O próprio tráfico, que cessou em
1853, fez diminuir o número de escravos, mas não houve nesse curto
espaço a absorção de 1 milhão de negros escravos:
o aumento da mortalidade contribuiu para o desequilíbrio entre o número
de negros, mulatos e brancos. De 1850 a 1852, aumentou em 34,4% o número
de homens livres no Brasil. Número engrossado, naturalmente, pelos negros
alforriados em uma manobra legal para poderem lutar no Exército e poderem
lutar no Paraguai. O número de negros, como já visto, diminuiu
40%. Considerando-se embora o crescimento natural da população
- e não se esquecendo que a taxa de natalidade do negro era baixíssima
(de cada dez negrinhos nascidos, um sobrevivia) e foi praticamente igual a zero
na guerra do Paraguai -, é fácil concluir que os 2,9 milhões
que passaram a ser homens livres não foram transferidos dos 2,5 milhões
de escravos negros existentes em 1850. Nem deve impressionar o grande número
de mulatos livres (42,8% em 1872, maioria da população), porque
eles a partir de 1818 representavam apenas 5% da escravaria, portanto, não
havia uma multidão de mulatos que pudessem "desfalcar" o estoque
negro. Além do mais, embora não existam estatísticas demográficas
confiáveis sobre o número de mulatos escravos em 1850, a tendência
foi a sua porcentagem baixar até praticamente zero nos últimos
anos da escravidão. Um fator não desdenhável, também,
é que a proporção de homens livres cresceu seguindo mais
ou menos o aumento da população branca. E, como um dado final,
sabe-se que após a guerra vieram do Paraguai apenas 20 mil negros com
alforria garantida.
É fácil concluir-se que, na fase em que mais alto era o preço
do escravo, 1 milhão de negros foram mortos - sintomaticamente na Guerra
do Paraguai. Conscientemente ou não, houve um processo de arianização
da população brasileira, que estimulou a ideologia do branqueamento
- esta, já conscientes do rumo a tomar. Como consciente foi o uso do
negro como bucha de canhão, assumindo toda a responsabilidade da guerra.
Consciente foi o hábito abusivo do homem rico mandar seus escravos ou
comprar negros para substituí-lo ou as seus filhos na guerra. O resultado
prático foi a contribuição enorme que a Guerra do Paraguai
teve para a diminuição do povo negro brasileiro - uma chacina
(de mortos na frente paraguaia e no Brasil) da qual até hoje os negros
não se recuperaram demograficamente, mesmo porque, em seguida à
matança de 1864/1870, começou-se a aplicar-se a ideologia do embranquecimento,
naturalmente. Naturalmente, pela simples opressão ao negro, negando-lhe
todas as possibilidades de ascensão social, fazendo-o procurar para seus
filhos, pais e mães, que pudessem contribuir com "sangue mais claro",
passaporte mulato ao aceitamento, porque iam em direção à
política das classes dominantes de eliminar a "mancha negra"
no Brasil.
A Guerra do Paraguai foi a alavanca de toda essa política. A matança
dos negros fortaleceu posteriormente as teorias racistas desenvolvidas pelos
filósofos, historiadores, políticos - enfim, os intelectuais das
classes dominantes -, que indicariam o branqueamento como "solução
racial" para o Brasil. A matança dos negros, aliás - e o
medo das conseqüências prováveis se eles se revoltassem -,
foi uma das preocupações do Duque de Caxias, manifestado em despacho
privado ao Imperador, quando pedia o fim da guerra e sua demissão do
comando do Exército. Manifestando seus temores, Caxias escreveu ao Imperador
que "à sombra dessa guerra, nada pode livrar-nos de que aquela imensa
escravatura do Brasil dê o grito de sua divina e humanamente legítima
liberdade; e tenha lugar a uma guerra interna, como no Haiti, de negros contra
brancos, que sempre tem ameaçado o Brasil, e desaparece dele a escassíssima
e diminuta parte branca que há".
A Guerra do Paraguai, como processo de arianização, liquidou a
grande arma que os negros teriam para lutar pela sua emancipação:
o potencial demográfico. Desarmados pelo genocídio extensamente
praticado na guerra e com reflexos imediatos no Brasil, acompanharam a campanha
abolicionista sem um peso político considerável e jamais - até
hoje - conseguiram emancipar-se da miséria que lhes foi destinada.