O PRÊMIO DOS NEGROS: VÃO SER LÚMPEN DO LUMPEMPROLETARIADO MULATO

Não só as condições dos negros vão piorar na guerra do Paraguai como o conflito vai criar certas condições estruturais que marginalizarão o negro como trabalhador. A partir de 1850, os investimentos desviados do comércio negreiro, pelo fim do tráfico, vão ser aplicados em empreendimentos que atrairão trabalhadores mais especializados: começam a surgir indústrias e especialmente as estradas de ferro provocam a morenização gradativa (embora lenta) do capitalismo brasileiro. A mão-de-obra, assim como os capitais, será importada: vão os imigrantes, cada vez em maior número, afastando os negros do trabalho livre, sobrando-lhes um papel secundário, de mão-de-obra em reserva. Serão atirados à periferia social, serão uma espécie de lúmpen do lumpemproletariado. Não constituirão uma força produtora significativa e não se definirão como classe trabalhadora, esmagados pela herança terrível da escravidão. De certa forma, ironicamente, o negro começa a perder importância quando se transforma em homem livre, mas não consegue a emancipação política nem atinge o estágio de trabalhador engajado nas novas fórmulas de produção que surgem no país.
Para ser admitido nas novas empresas que se criam do Brasil com o dinheiro desviado do tráfico, o negro precisa, pelo menos, ficar mulato. Mesmo nas lavouras tradicionais, como o café, à medida que novos métodos são aplicados, os negros perdem o lugar para os imigrantes, mais aptos para o sistema implantado porque oriundos de uma sociedade com uma divisão de trabalho mais livre. A sociedade racista só quer o negro como escravo; para o trabalho livre, importa imigrantes europeus, alegando que os negros não tem "mentalidade" nem responsabilidades para empregar-se aos modos de produção mais modernos.
A Guerra do Paraguai, eliminando de forma direta ou indireta, o excessos de negros para as modernas circunstâncias, facilita essa transição. Se antes faltavam escravos, quando a própria Guerra do Paraguai serve de estímulo para a implantação de novas indústrias, agora sobram negros. No sistema escravista havia poucos escravos (2,5 milhões); na transição para um modo de transição mais avançado, há excesso de negros (1,5 milhão). Esse paradoxo se resolve marginalizando o negro como lúmpen do lumpemproletariado mulato disponível, já por si reserva da mão de obra imigrante que começa a chegar no Brasil.
O que iria acontecer costumeiramente após a abolição já é marcante depois da Guerra do Paraguai: cada vez os negros são afastados das funções mais qualificadas que exerciam, dando lugar aos brancos imigrantes. Se antes a presença do escravo chegava a travar o progresso do Brasil, especialmente até 1860, depois da Guerra do Paraguai é preciso remover os negros, na visão estreitamente racista das classes dominantes, para promover o desenvolvimento. Antes da guerra, os negros substituíam as máquinas até no transporte pessoal, assumindo geralmente o papel das bestas. Depois da guerra, quando o país começa a modernizar-se, a Ter estradas de ferro com maior extensão de trilhos e surgem as indústrias com suas máquinas, as classes dominantes parecem ver os negros o símbolo do atraso e os removem, contratando os imigrantes. É justamente em 1860, aliás, que começam a fixar-se no Brasil as empresas estrangeiras, que viriam a dominar toda a nossa indústria mais forte. Depois da depressão internacional de 1873, é em 1875 que os grandes investimentos ingleses fixam-se no Brasil. Tudo isso contribui para o afastamento do negro, o desejo do branqueamento, estimulado pela presença do homem branco, vistos como trabalhadores superiores. Houve uma ruptura: o escravo negro, aviltado pela servidão, não foi treinado para assumir a condição de classe que seria sua; em seu lugar, imediatamente de acordo com a necessidade de mão-de-obra da indústria nascente, trouxeram os imigrantes. A matança na Guerra do Paraguai, ou dela derivada, ajudou que esse transe ocorresse sem violência maior que a marginalização do negro - eles já tinham sido reduzidos demograficamente de modo a não perturbar a paz social almejada pela classes dominantes.
Como os primeiros resultados demonstraram que o trabalho livre era mais barato que o escravo, ideologicamente os negros foram responsabilizados pelas classes dominantes da ineficiência da escravidão. O que certamente ajudou a mantê-los mais inferiorizados na escala social. No entanto, esses acontecimentos não podem ser ampliados: foram mais indicadores de uma realidade que chegaria rapidamente, nos experimentos realizados de maneira esparsa, que o retrato completo da situação brasileira. Mesmo depois da abolição, não havia um parque industrial no Brasil: existiam pequenos núcleos industriais e um artesanato manufatureiro funcionando com operários imigrantes europeus. Havia raras indústrias de porte. O que ajudou a marginalizar mais ainda os negros; havia a expectativa de um progresso industrial cuja mão de obra seria branca, preferencialmente de imigrantes europeus; e uma realidade econômica muito pobre, hostil e incapaz de absorver a mão-de-obra numerosa dos ex-escravos.
O que Genovese afirmou para o sul dos Estados Unidos poderia ser extensivo para o Brasil, dentro desse quadro: "A escravidão negra retardou, em muito, o progresso tecnológico: impediu o crescimento da industrialização e da urbanização; retardou a divisão do trabalho, que poderia Ter estimulado a criação de novas técnicas; impediu a participação inteligente da força de trabalho na produção, o que teria possibilitado o constante aperfeiçoamento de ferramentas e maquinaria; e encorajou formas de pensamento contrárias ao espírito da ciência moderna". Os conceitos de Eugene Genovese (A Economia Política da Escravidão) podem ser aplicados ao Brasil. A Guerra do Paraguai foi uma espécie de "choque" para os segmentos mais lúcidos das classes dominantes, que ao perceberem o que Genovese afirma, imediatamente transferiram a culpa do nosso atraso não a escravidão, mas aos negros, ironicamente confirmando uma das afirmações do professor norte-americano - "(...) e encorajou formas de pensamento contrárias ao espírito da ciência moderna".
Estava tomando força a ideologia do embranquecimento.