A presença do negro nas forças guerreiras do Brasil é
constante e forte, praticamente desde as primeiras lutas armadas em nosso território.
Os negros foram obrigados a aliarem-se aos portugueses e às forças
imperiais - raramente tiveram opção, mas quando foram mandados
à luta tiveram participação importante e transformaram-se
em grandes soldados. Henrique Dias, por exemplo - sem visão política
sobre a condição da sua gente -, lutou contra os holandeses com
grande vitalidade, foi marechal-de-campo e fizeram-no fidalgo, embora reconheça-se
(o que nem sempre historiadores entusiasmados fazem) a precariedade desses títulos.
Na guerra do Paraguai, como já foi dito, companhias inteiras foram formadas
por capoeiristas baianos, que tomaram trincheiras dos paraguaios usando apenas
seus golpes com as pernas. Os negros capoeiristas assaltaram sem armas o Forte
Curuzu, atemorizando os paraguaios: a imagem do soldado brasileiro na historiografia
paraguaia é sempre a de um "negro abusado".
O valor do negro como soldado no Brasil é uma tradição
que vem desde o século XVI, quando eles formaram as primeiras milícias
para defender as capitanias dos ataques dos índios e dos estrangeiros.
Os negros praticamente suportaram a guerra movidas pelos estrangeiros durante
quase todo o século VXI, às vezes incorporando-se à luta
- tontos e sem saber o que acontecia, matando para não morrer - ao sair
dos navios negreiros. Apesar disso, quando Tomé de Souza organizou as
primeiras milícias com um incipiente serviço militar obrigatório,
começou a marginalização do negro nas forças armadas,
onde ele era sempre o combatente principal, mas nunca conseguia um posto hierárquico
qualquer - os casos esporádicos que representam o reconhecimento do valor
do escravo combatente, mas a impossibilidade de negar-lhe a ascensão,
o que seria perigoso. Arthur ramos, em cuidadoso estudo sobre os soldados negros
do século XVI, atribuiu-lhes a responsabilidade da conquista da costa
marítima e registra o grande temor que impunham aos índios. Os
holandeses não seriam vencidos se as tropas negras não estivessem
ao lado dos portugueses. A mesma ideologia que é responsável pela
visão distorcida sobre o papel fundamental do negro na civilização
do Brasil penetrou a historiografia oficial impedindo que mais detalhadamente
o soldado-escravo fosse conhecido. Exagerou-se o papel do índio, menosprezou-se
a função essencial do negro.
Da mesma forma que a bravura dos negros na guerra do Paraguai respondia a uma
tradição inaugurada no século XVI - o século do
descobrimento -, o seu emprego imoderado como "bucha de canhão"
era antigo. Antecipando as tropas regulares, os negros eram enviados à
frente de luta desorganizadamente, sem orientação alguma, para
morrer enquanto "seguravam" os invasores; só depois dessa matança,
que muitas vezes extenuava o inimigo, surgiam as tropas mais disciplinadas com
seus comandantes brancos, alguns raros portugueses que tinham noções
militares mais eficientes.
Não só os holandeses foram expulsos pela força negra: no
Rio (e depois no Norte também), os franceses foram derrotados muito mais
pelos soldados negros que pelos índios. Existem muitos casos que registram
a bravura dos negros, alguns pitorescos. O negro Antonio, por exemplo, em 1625,
na luta contra os holandeses, foi alforriado como prêmio por subir em
um coqueiro e matar muitos inimigos atirando-lhes pedras e cocos. O governador
da Bahia mandou construir uma fortaleza no lugar do coqueiro onde o negro Antonio
fez uma guerra de cocos e nomeou-o seu comandante. Henrique Dias, um grande
militar negro, não só destacou-se na luta aberta e clássica
contra os holandeses como lhes moveu durante longo tempo uma desgastante guerrilha.
Ele inspirou a invicta "Legião dos Henrique", da qual saíam
outros negros famosos, como João Batista de Faria, que foi nomeado em
1859 para guarda pessoal de D. Pedro II, durante a sua visita a Bahia.
Não se admira, que na guerra do Paraguai a totalidade das gargas de infantaria
e os assaltos a baioneta fossem deferidos por batalhões de negros - mas
só porque eles eram a maioria dos combatentes como também tradicionalmente
serem foram a "bucha de canhão". E, coisa rara, contada por
Arthur Ramos, o negro capoeira Cesário Alvez da Costa, do 7º batalhão
de infantaria, demonstrou tal bravura na tomada do Forte Curuzu que não
houve outro meio que promovê-lo a sargento. Recebeu a Ordem do Cruzeiro,
das mãos brancas do famigerado cone D' Eu. Outro negro promovido a sargento
(no regime escravista brasileiro era algo notável, embora historiadores
oficiais apresentem estes fatos como acontecimentos normais) foi o cadete Antonio
Francisco de Mello, da marinha, que se destacou na batalha do Riachuelo. O 9
batalhão, ao qual pertencia o cadete Melo, era todo formado por negros.
Intusiasmado com o seu desempenho heróico, o comandante deixou registrado:
"Os homens do 9º batalhão se conduziram como soldados brasileiros.
Mostraram-se intusiastas da abordagem do navio inimigo e se distinguiram pela
sua inigualável bravura no combate com o inimigo. A sua conduta foi digna
dos mais altos elogios". O negro Melo ascendeu a capitão e então
o racismo da marinha se manifestou-se afastando-o do comando das batalhas, transferindo-o
para disciplina das companhias negras, livrando os oficiais brancos do incômodo
relacionamento com um ex-escravo.
Há tanto heroísmo negro na Guerra do Paraguai que os fatos passaram
a lenda. Entre lendário e heróico, o conhecido Marcílio
Dias, ferido e morto na batalha do Riachuelo. Das lendas, destaca-se o estoicismo
do negro Jesus que executou o toque de avançar com sua corneta apenas
presa entre os lábios, pois seu braços, foram decepados - naturalmente
era um exagero, mas que só é possível pela fama heróica
dos negros transformado-os em mito.
Entre os negros famosos, Arthur Ramos destaca André Rebouças -
aliás uns dos maiores engenheiros do século XIX -, que além
de projetar um torpedo usado pela marinha ainda combateu na frente paraguaia,
fazendo inclusive o reconhecimento de uma lagoa, na ilha de Itapiré,
preparando a travessia do rio Paraná. Desnecessário pinçar
façanhas heróicas de negros na Guerra do Paraguai - e em outras
lutas -, quando os próprios números de mortes e da formação
do Exército que lutou contra os paraguaios demonstraram um sacrifício
coletivo dos escravos.
Apesar disso, os negros foram incorporados às milícias, sempre,
porque não havia outra opção. Desde a colônia, porque
simplesmente sem o soldado negro não se formaria Exército algum.
No Império, porque os brancos não eram suficientes, o Exército
era uma instituição marginal em relação à
Guarda Nacional - que se ocupava da "segurança interna" - e
se formava com os restolhos da sociedade. Armavam-se os escravos para as guerras
e desarmavam-nos na paz, com medo que eles usassem os armamentos contra seus
senhores. As recompensas que lhes prometiam para levá-los á guerra
raramente eram cumpridas e aqueles que escondiam as armas podiam ser punidos
com a prisão perpétua, pena depois baixada para cem açoites:
menos para promover o negro e mais para que o proprietário não
perdesse seu escravo.