A guerra do Paraguai foi uma guerra de extermínio contra o único
povo livre da América do Sul. O Paraguai era uma República autônoma
desde 1811, que não tinha dívida externa, que não tomava
empréstimos e não precisava importar nada para o seu consumo.
Quebrava assim o modelo de exportação imposto pelo imperialismo
inglês. Com uma situação geográfica incômoda,
espremido entre o Brasil, a Bolívia e a Argentina _ tendo como único
aliado em 1864 o Uruguai, um país fraco cujas fronteiras eram freqüentemente
invadidas pelas tropas regulares do Rio Grande do Sul, para o roubo de gado
a pretexto de defender os proprietários brasileiros ali estabelecidos.
Vítima da cobiça do Império e da Argentina, ameaçado
durante toda sua história pelos grandes países do continente,
pela estruturação da sua economia e recolhimento político,
que se aliaram a uma equilibrada divisão entre trabalho e renda _ uma
solução quase socialista e perfeita para as condições
e a própria época _, mas despreparado politicamente para enfrentar
os representantes do imperialismo inglês, o Paraguai teria que sofrer
na agudização do processo espoliativo contra a América
do Sul e a violência das submetrópoles britânicas.
A guerra do Paraguai foi o derramamento da barbaridade que impregnava o Império
e a Confederação Argentina. Matou praticamente todo o povo paraguaio.
Morreram 96,5% dos homens e dos sobreviventes apenas 1,8% tinham mais de 20
anos. Da população total (8000 mil), morreram 75,75% (606 mil).
O Paraguai foi destruído, aniquilado completamente em uma guerra que
custou cinco anos, começando pela invasão do Uruguai para trocar
o seu governo, porque o presidente legal recusava-se a fazer a aliança
com o Brasil e a Argentina. A guerra foi planejada pelos ingleses, que elaboraram
o Tratado da Tríplice Aliança, que aliás é uma farsa.
Este tratado, formalmente assinado em 1º de maio de 1865, já estava
pronto a mais de um ano, esperando a ocasião em que os ingleses decidissem
usá-lo para fazer a guerra do Paraguai. O tratado foi conduzido pelo
embaixador inglês Thornton, segundo deixam escapar em suas confissões
o chanceler argentino Rufino de Elizalde e o brasileiro, conselheiro Saraiva.
Este tratado ficou secreto um ano, tal as irregularidades que contém,
inclusive com um protocolo secreto onde se determina a partilha e o butim ao
Paraguai.
A guerra do Paraguai foi apressada (ou precipitada) pela guerra da Secessão
nos Estados Unidos, quando a falta de algodão paras as fábricas
inglesas apavorou o capitalismo britânico. As fábricas inglesas
poderiam parar, o que implicaria uma crise que se estenderia por todo o país
e poria em perigo a rede imperialista de dominação que se estendia
pelo mundo. O Paraguai, que além de ser uma dissidência incômoda
na política internacional inglesa do "livre-cambismo" ainda
era dono de rios navegáveis importantes para a infiltração
do comércio britânico, tinha atritos tradicionais com as submetrópoles
inglesas na América do Sul: a Argentina e o Brasil. Os atritos que nunca
se solucionaram e também nunca indicaram o caminho da guerra - absurda
em relação aos gigantes anêmicos que eram Argentina e Brasil
- satisfariam o imperialismo inglês, em uma rápida vitória
dos seus aliados sobre o Paraguai. Que abriria os rios; escancaria o comércio
internacional para os ingleses; daria suas terras quentes para o cultivo de
algodão - fortalecendo o modelo do imperialismo inglês: exportação
de manufaturas em troca do abastecimento de matérias-primas. Ao mesmo
tempo, a guerra compensaria os braços armados da Inglaterra na América
do sul, dando-lhes as posses territoriais cobiçadas e estabelecendo relações
regionais de dominação do subimperialismo argentino e brasileiro.
Apenas houve um acidente de avaliação: não se esperava
a grande resistência do Paraguai e nem se contou com a enorme incapacidade
de argentinos e brasileiros. O Paraguai resistiu praticamente até o último
homem, dando razão ao prognóstico trágico do Duque de Caxias,
quando afirmou ao Imperador que a vitória só seria possível
matando "até o feto no ventre da mulher". O Paraguai lutou
fabricando a totalidade de suas armas: era o único país da América
do Sul que tinha uma indústria própria, suficiente para as suas
necessidades e que se transformou rapidamente em um importante núcleo
bélico, mantendo inclusive a fundição de Ibicuí
trabalhando 24 horas sem parar, fundindo o ferro para os arsenais de Asunción.
Enquanto isso, no Brasil e Argentina, que importavam agulhas, talheres, penicos
- o Império chegou a importar até patins para o gelo! - , tiveram
que comprar armas e munições. Naturalmente, sem dinheiro. A Inglaterra
"bancou" a guerra. Uma das mais graves conseqüências da
guerra do Paraguai para o Brasil é que, depois dela, nunca mais o país
pode escapar dos juros e empréstimos ingleses, tornando-se presa eterna
do imperialismo financeiro mundial, renegociando dívidas e financiamentos
- jamais chegando a saldar seus compromissos. Os empréstimos ingleses,
que atrelam o Império ao imperialismo britânico, aumentam de 1871
com 3 milhões de libras chegando a 1889 com cerca de 20 milhões.
Do fim da guerra a queda do Império, as dívidas somam 45,5 milhões
de libras. O déficit do orçamento acumulado nos anos da guerra
somaram 300 milhões de contos de réis.
É uma guerra suja, que será vencida pelos escravos brasileiros
- alforriados em massa para entrarem no exército - forçados à
luta. Para torná-la menos impopular, inventa-se toda sorte de calúnias
contra o marechal Francisco Solano López (invariavelmente chamado de
tirano) e o povo paraguaio, não faltando a balela de que o Paraguai pretendia
invadir e dominar o Brasil. Ao seu final, o Paraguai - única expressão
livre de povo americano - está virtualmente destruído. Brasil
e Argentina roubaram algumas terras paraguaias, mas estarão primeiro,
a Abolição (que aliás é presumível e até
desejada), e por fim deixará de existir.
Este esboço da Guerra do Paraguai serve para situar o papel do negro
na guerra; foi ele quem a sustentou e foi ele que a sofreu, lutando de verdade,
como bucha de canhão - morrendo de cólera ou das balas e lanças
paraguaias. Foi a seu trabalho que pagou a guerra; foi a sua vida que a fez
vitoriosa. Lutou como escravo, obrigado. E, enquanto fazia tudo isso, era a
vítima indefesa do processo de arianização, de extermínio
e de genocídio de uma raça, para embranquecer o Brasil.
A guerra do Paraguai serviu também para matar negros, reduzindo sua população
e minorizando sua força política nos anos de campanha abolicionista.
Facilitando o processo de branqueamento posterior à abolição.