O PREÇO FINAL DA MATANÇA DE NEGROS: A ABOLIÇÃO DA REPÚBLICA

Pode-se resumir a guerra do Paraguai, para os negros, como um processo de arianização - consciente ou não - que liquidou sua maior força para enfrentar a opressiva sociedade escravista: o potencial demográfico. É evidente que essa arianização, que fortaleceu a ideologia do embranquecimento, ocorreu dentro de uma série de circunstâncias que a amenizaram ou a agudizaram, dependendo do desenvolvimento do pós-guerra e da própria campanha abolicionista. Mais não foi evidentemente apenas este o seu resultado para os negros. Porque a Guerra do Paraguai foi também um elemento desestruturador do sistema que sustentava o Império, ao criar um Exército que passou a Ter voz política e abriu espaço democrático que era contido, reprimindo anteriormente, pela Guarda Nacional - a expressão armada dos grandes latifundiários.
A Guerra do Paraguai obrigou o Império a promover grandes reformas, imediatamente ao seu final. A própria vida política foi ativada por um dos elementos mais fortes que lutaria contra a monarquia: o Partido Republicano, fundado em 1870. São as modificações que ocorrem na economia brasileira, ativando o aceleramento das idéias políticas mais avançadas, que fazem nascer o Partido Republicano, forçado também pela cisão do velho partido liberal. Sintomaticamente, o Partido Republicano vai Ter mais força nas províncias do sul, de São Paulo ao Rio Grande. Justamente as províncias que mais forneceram oficiais para a Guerra do Paraguai. Os oficiais que lutaram no Paraguai, em uma grande maioria - especialmente tenentes e capitães, entre eles o então coronel Deodoro da Fonseca -, voltaram com idéias republicanas, absorvidas dos inflamados argentinos e nas conversas com os altivos prisioneiros paraguaios. Influenciadas ainda pelo positivismo, as idéias republicanas alastraram-se pela oficialidade do Exército, que era uma organização bastante popular, formada na base por negros e marginais e sofrendo o desprezo dos nobres do Império. Este Exército que sai da Guerra do Paraguai preso à enorme séria de contradições da sociedade escravista é uma célula democrática que criará muitos casos ao Império e será elemento decisivo na precipitação da campanha abolicionista. Surgirão as "questões militares" e aparentemente a hierarquia será quebrada pelos jovens oficiais, o que na verdade representa uma coerência segura - embora sem direção política mais objetiva - com suas origens populares.
Somente depois da Guerra do Paraguai é que aparece um movimento sistematizado para a libertação dos escravos. Embora uma necessidade dos novos tempos, um exigência de agilização da economia, também reflexo político da nova mentalidade que os 20 mil negros "vadios" que voltaram da guerra, com a oficialidade transformada em representação do heroísmo nacional, implantaram na discussão política. O próprio Partido Republicano - que nem sempre ou poucas vezes é pelo fim da escravidão - vai ser veículos em seus clubes e jornais par inúmeras manifestações abolicionista.
O café foi a fonte de riqueza que sustentou a guerra; os negros a força de trabalho que criou essa riqueza. Agora o Império esta as portas do confronto entre a força de trabalho que foi transferida para o Paraguai para ganhar a guerra e os donos da produção que sustentaram o Exército empenhando suas safras e doando seu ouro. Em meio a isso, nasceu um Exército popular em sua origem; processou-se uma matança que reduziu a população negra em 40%; estimulou-se a implantação de indústrias; e, sobretudo, o Império atrelou-se a Inglaterra, aumentando suas dívidas de 17 737 520 libras de 1825 a 1865 para 63 241 620 ao fim de 1889; e, ainda, se alguém se impressionar, matou 75% do povo paraguaio.
É só esperar a abolição. E a queda do Império.